2017/06/11

CAMÕES E A TENÇA, poema por Sophia

CAMÕES E A TENÇA


Irás ao Paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce

Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou seu ser inteiramente

E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto

Irás ao Paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência

Este país te mata lentamente



Sophia de Mello Breyner Andresen

In: Dual [VI – Em Memória]. Lisboa: Moraes, 1972; reprod. em
Obra Poética III. Lisboa: Caminho, 1991, p. 162.


Fotografada por Fernando Lemos, no jardim 
da casa da Travessa das Mónicas (bairro da Graça, Lisboa), anos 50.