FALA APÓCRIFA DE CAMÕES
É inútil buscarem o meu signo
procurarem-me em ruas ou retratos
sequer em grutas gritos manuscritos
muito menos em fósseis ou em falsas
pistas que de meus ossos não existem
É inútil julgarem-me comparsa
de quem quer que julgou viver comigo
já que em lugar algum terei passado
comigo mais que um prazo muito exíguo
mais ambíguo aliás e mais escasso
que o vivido com Bembo ou com Virgílio
com Petrarca Ariosto ou Garcilaso
Só estes os contei por meus amigos
E só de astros que tais rompe o meu rasto
David Mourão-Ferreira
In “No veio do cristal”, parte de Obra poética: 1948-1988.
Lisboa: Presença, 1988, p. 397.