2020/05/15

Reescrever o séc. XVI : As cartas em prosa de Camões e a questão do baixo amor - Seminário online


Seminário Online, no âmbito do projeto de investigação - Reescrever o séc. XVI.

«As cartas em prosa de Camões e a questão do baixo amor»


Marcia Arruda Franco


14.05.2020, 15h-17h

Acesso/Inscrição, aqui.

Resumo:


Há quatro cartas em prosa que a crítica reconhece como tendo sido escritas por Camões e uma quinta que a tradição crítica lhe tem também atribuído, embora não os seus editores. 


O erotismo baixo das cartas, e sobretudo o da quinta carta inédita, não é bem aceite pelos críticos que insistem em ler o discurso epistolar exclusivamente na clave biografista. Entretanto, é possível, a partir de uma interpretação histórico-cultural, reler a alegada pornografia camoniana como discurso político. 

Neste seminário discutir-se-ão tais possibilidades e defender-se-á a proposta de proceder à edição da quinta carta em prosa juntamente às outras quatro, a partir de um estudo deste género epistolar nos códices manuscritos da BNP.



Algumas notas, após participação no seminário


Na quinta-feira, 14 de maio de 2020, pelas 15 horas de Lisboa e durante duas horas, cerca de meia centena de participantes, visionaram o seminário online, apresentado por  Micaela Ramon (CEHUM, UMINHO) e com a palestra de Márcia Arruda Franco (Sorbonne Nouvelle, Paris 3), dedicado às cartas em prosa de Luís de Camões e a temática do baixo amor como tema epistolográfico e histórico-cultural (no âmbito do projeto de investigação “Reescrever o séc. XVI”).




Márcia Arruda Franco é Professora Doutora da Universidade de São Paulo e, como camonista, colabora com o CIEC da Universidade de Coimbra, redigiu o verbete “O cânone literário português e Camões” para o Dicionário de Luís de Camões (2011) e a sua produção ensaística tem valorizado Sá de Miranda, Camões, Garcia de Orta, o Renascimento português. Entre outros projetos, integra e co-coordena a equipe USP do projeto multidisciplinar da parceria USP-UMINHO – Reescrever o século XVI. É no contexto deste Projeto que agora se apresenta este Webinar.




Márcia Arruda Franco começou por referir a necessidade de regressar aos “arquivos” para contar outra história, descontínua, também através de testemunhos como as cartas. Embora estejam bastante estudadas as cartas em latim, do século XVI, havendo até tratados acerca das regras de escrita das mesmas, o mesmo não se passa com as de Camões, defende.

De seguida, apresentou uma breve história da edição e recepção das cartas em prosa de ou atribuídas a Camões. Elas são cinco, começando deste modo: “esta vai com a candeia”, “Desejei tanto uma vossa”, “Üa vossa me deram”, “Quanto mais tarde vos escrevo”, “Por que nem tudo seja falar-vos de siso”.

De facto, no domínio do Estudos Camonianos, na valorização da epistolografia camoniana destacam-se José Maria Rodrigues, Álvaro Júlio da Costa Pimpão, Hernâni Cidade, Fiame Hasse Pais Brandão, Clive Willis, Fernando F. de Portugal, Helder Macedo e, com verbete no Dicionário de Camões, Isabel Almeida. 

A principal tese da investigadora parece fundar-se na possibilidade de interpretação de uma linguagem cifrada – já defendida por Fiama na sua leitura simbólica apresentada em “Linhas das cartas de Camões” (coligida in O labirinto camoniano e outros labirintos, 1985, 2.ª ed., 2007). O
leitor da(s) carta(s) deverá proceder a uma decifração da ambiguidade do discurso: onde estão configuradas e zombadas as mulheres venais, que se prestam também a práticas sádicas de modo a despertar o desejo sexual nos seus clientes, poderá também encontrar-se o retrato satírico dos agentes da Santa Inquisição; determinados termos remeter-nos-iam para entidades perseguidas, como os judeus. A “língua baixa” utilizada nestes textos, para além de ser o cantar de Eros camoniano, estará também ao serviço da denúncia política, do caricaturar dos inquisidores da época.




Do mesmo modo, o estilo baixo utilizado por Camões nas cartas, ou seja, o seu glosar epistolar do “baixo amor”, mostra “um lado menos oficial do poeta, à margem daquele canonizado pela história literária e nos currículos escolares”, em consonância com o “Retrato de Camões na prisão” (1556?), atribuído a Fernão Vaz Dourado, datado de cerca de três anos após a chegada do Poeta à Índia. Um poeta recluso e em pobreza, embora “com as regalias de um letrado, a escrever Os Lusíadas”, diz. À margem na vida, marginal também na escolha dos temas para as suas composições epistolográficas. Textos privados e, todavia, com uma divulgação ou eventual circulação pública, o que a investigadora denomina de “publicações escribais”.

Depois de apresentar a sua análise da quinta carta camoniana, Márcia Arruda Franco expressa o ensejo da sua edição conjuntamente com as outras quatro cartas em prosa já conhecidas, tal como a vontade de publicação dos outros documentos que tardam manuscritos nas miscelâneas coevas. Faz então um apelo, no final, para a constituição de uma equipa multidisciplinar que trabalhe e divulgue esses aquivos.


Vivam os Estudos Camonianos!