2021/11/24

"Os Lusíadas" traduzidos em língua turca por Ibrahim Aybek



"Na minha opinião, ser o primeiro a traduzir Os Lusíadas para o turco é menos importante do que ser o primeiro a lê-lo em turco. Para mim, é muito especial ler pela primeira vez em turco uma obra escrita há 450 anos. Especialmente considerando que a obra menciona muitas vezes a nossa civilização e o Império Otomano." - Ibrahim Aybek





Uma tradução de “Os Lusíadas” em turco está disponível a partir de 23 de novembro nas livrarias da Turquia por iniciativa de um arquiteto e diplomata que, em 2020, decidiu traduzir a epopeia de Luís de Camões.

A iniciativa foi de Ibrahim Aybek que, numa entrevista à agência Lusa, explicou que “sempre teve a ideia de traduzir Camões para turco”.

Arquiteto de formação e diplomata de profissão, a trabalhar na agência turca de cooperação, com missões em Moçambique e em S. Tomé, Ibrahim Aybek meteu mãos à obra com a chegada da pandemia de covid-19 e com o confinamento. Assim, em 2020 mergulhou “a fundo” na obra de Camões, o que só lhe foi possível por ter aprendido português em 2008 quando frequentou o programa Erasmus em Portugal.

Se a ideia de traduzir “Os Lusíadas” já tinha alguns anos, não avançou logo para o projeto por pensar que ainda não dominava suficientemente a língua portuguesa para o fazer. Não desistiu, porém, do sonho, tal como não o fez com a aprendizagem da língua portuguesa na qual foi avançando sempre até atingir um nível “mais maduro” que lhe permitisse traduzir Camões, acrescentou.

“Já sabia que Camões nunca tinha sido traduzido para turco”, disse Ibrahim Ayek à Lusa, acrescentando estar convicto de que até aqui “ninguém tivera coragem para o fazer”. “Não é um texto fácil, antes pelo contrário”, observou, realçando que é um “texto antigo, que também tem um sistema de rimas e um sistema métrico” específico, o que dificulta o trabalho dos tradutores.

A curiosidade de Ibrahim Ayek pelos textos antigos foi a “motivação” para mergulhar na leitura daquela obra de Camões bem como na de traduções em inglês, espanhol e francês. Como explicou: “Se não houvesse traduções em línguas atuais, estou em crer que nunca conseguiria traduzir a obra, porque há muitos termos que já não se utilizam”.

Apesar de lhe ter sido impossível manter os versos em decassílabos, Ibrahim Ayek disse tê-los mantido em “comprimentos iguais para serem mais próximos do original”. 

“Foi um trabalho difícil, mas no final acho que ficou um produto bom”, referiu, a propósito da obra de 450 páginas que hoje entrou no circuito livreiro turco com uma tiragem inicial de 1.000 exemplares. Referiu ainda que a editora Ötuken Nesriyat “sempre reconheceu valor ao trabalho que estava a ser desenvolvido” para tradução do poema nacional português.

Questionado sobre se há alguma parte de “Os Lusíadas” que o tenha encantado mais, Ibrahim Ayek disse que todo o livro “é uma obra-prima”. Além das narrações sobre as viagens dos navegadores, o tradutor deslumbrou-se com “O velho do Restelo”, por este traduzir um “sentimento comum a muitos povos e que continua a persistir no presente”.

Ibrahim Ayek frisou que “tentou explicar os versos de Camões da forma mais clara possível”, razão por que também fez questão de transmitir questões culturais específicas, através de mais de 1.200 notas de rodapé na obra.

A tradução de “Os Lusíadas” em turco não é, porém, a única tarefa em português que ocupa Ibrahim Ayek já que há anos que se encontra a elaborar um dicionário de português-turco. Depois de ter escrito uma gramática de português para turcofalantes, que já vai na segunda edição e é a única disponível no país, Ibrahim Ayek aposta agora num dicionário académico de português. Um trabalho que desenvolve desde 2018 e que já conta com 15.000 entradas, avançou à agência Lusa.

“'Os Lusíadas' vão criar muita curiosidade em qualquer pessoa que os leia, é um clássico mundial”, disse Ibrahim Ayek, sublinhando que ainda gostava de traduzir José Saramago para turco, apesar de o Prémio Nobel da Literatura 1998 contar com várias obras traduzidas para aquela língua.

Fernando Pessoa é outro dos autores portugueses que Ibrahim Ayek quer também traduzir para turco. Porque a poesia deste autor causa fascínio na Turquia e ainda ninguém apostou na tradução de qualquer obra do escritor.

“Vou tentar continuar a contribuir para transmitir as nossas culturas para ambos os lados”, disse Ibrahim Ayek, sublinhando que na Turquia existe “muita curiosidade” sobre a cultura portuguesa. “Somos povos mediterrânicos e há várias semelhanças. Portugal é destino preferido pelos turcos, há grande admiração pelo fado e pela arquitetura portuguesa que é muito valorizada na Turquia”, disse a propósito.

Ayek exemplificou com os poemas do angolano Agostinho Neto, que foram recentemente traduzidos para turco, acrescentando existir grande curiosidade na Turquia por todo o mundo lusófono.

Apesar de o português ser “uma das línguas mais raras na Turquia, tal como o turco em Portugal, Ibrahim Ayek está convicto de que os dois países podem estabelecer “relações mais ativas”.

Para que o intercâmbio cultural entre Portugal e Turquia “aumentasse e melhorasse”, Ibrahim Ayek desafia os tradutores portugueses a traduzirem clássicos turcos.

“Mesveni”, de Rumi, uma obra essencial sobre o sufismo, e “Yunus Emre Divanı”, uma obra essencial sobre o humanismo, são os livros que Ibrahim Ayek gostaria de ver traduzidos em português.




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