2022/07/29

Já chegou o primeiro volume do Epistolário Magno de Luís de Camões!



Está convidado para a sessão de apresentação do livro Epistolário Magno de Luís de Camões, vol. 1. Celestina em Lisboa, de Felipe de Saavedra, que terá lugar no próximo sábado dia 30 de julho de 2022, pelas 15 horas, na Livraria Artes & Letras, em Óbidos.

A apresentação da obra estará a cargo de José Camões, e será seguida por uma conversa com o Autor.

Edição de Canto Redondo, veja na livraria Espaço Livro.

Veja divulgação do evento no Facebook.


2022/07/28

De manuscritos antigos, de textos inéditos e, principalmente, do estimar os poemas de Camões


Santo Agostinho hesitando entre o sangue de Cristo e o leite da virgem, 1498-99

Francesco Francia

Bologna, Pinacoteca Nazionale.



2022 é um Ano Camões, pois celebram-se os 450 anos da publicação de Os Lusíadas. A efeméride tem suscitado congressos, colóquios, dossiês temáticos em periódicos, exposições, concertos, maratonas de leitura da epopeia... – vejam-se as Efemérides neste blogue.

Entre esses eventos, ocorreu a 3 de julho a terceira Conversa dos Capuchos, no âmbito do Festival de Música dos Capuchos. A sessão intitulada O impulso épico de Camões e moderada por Carlos Vaz Marques contou com a presença do poeta e professor universitário Nuno Júdice, autor da coletânea de ensaios Camões: por cantos nunca dantes navegados (Sibila, 2019), e a escritora Isabel Rio Novo, futura autora de uma biografia do Poeta. A atriz Lia Gama deu voz ao poema "Camões dirige-se aos seus contemporâneos" da autoria de Jorge de Sena e a passagens de Os Lusíadas.

No decorrer da conversa no Convento dos Capuchos, Nuno Júdice leu o soneto “De Luis de Camões, a Christo atado a coluna”, sobre o qual não teria dúvidas da autoria camoniana, mas que teria reservas quanto ao seu ineditismo, carecendo da confirmação de especialistas. Inquirido sobre a possibilidade de publicá-lo algures, anuiu que talvez um dia viesse a fazê-lo.

Durante a leitura do poema, o professor e investigador Felipe de Saavedra, da Rede Camões na Ásia (RCnA), sentado a meu lado, partilhou a sua surpresa sobre o soneto ser apresentado como inédito, pois reconheceu-o imediatamente. O caso digno de memória teria ficado por aí, não fora o moderador da conversa, Carlos Marques, ter publicado no dia 13 do mesmo mês e na sua página do Facebook o post UM POEMA PERDIDO DE CAMÕES com a revelação de ter sido descoberto “nada mais, nada menos do que um poema inédito de Camões.”

A leitura desse post de Carlos Vaz Marques a meio do dia, e depois das notícias online disseminadas a partir da agência LUSA (v. lista de principais títulos aqui), motivou-me a reagir com o breve post UM INÉDITO TRIPLAMENTE PUBLICADO no blogue Luís de Camões. Desse modo, após uma conversa informal com o Professor Felipe de Saavedra, confirmei que o soneto de Camões anunciado nesse dia por vários órgãos de imprensa portugueses como "inédito" e recém-descoberto, fora já publicado em pelo menos três instâncias.

Quanto ao principal desta história e ao mais que se lhe seguiu, o Professor Nuno Júdice tudo evoca no seu artigo agora publicado no Jornal de LetrasUm inédito de Camões: com alecrim de entrada e manjerona à sobremesa (JL 1352, pp. 6-7), e em vez de um texto do genial Poeta, temos já dois, um soneto e um vilancete.


O balanço é francamente positivo: divulgaram-se os textos, mal conhecido o primeiro, inédito o segundo; elaboraram-se comentários sobre Camões religioso, faceta menos conhecida e esperada; pesquisam-se obras pictóricas e de natureza religiosa relacionadas com os temas presentes, ou inspiradores da conceção da obra camoniana.




Divulgamos aqui o texto do vilancete publicado no referido artigo do JL, complementado com uma das mais antigas pinturas que encontrámos, até agora, da autoria do artista bolonhês Francesco Francia – "A adoração da Criança” e/ou “Santo Agostinho hesitando entre o sangue de Cristo e o leite da virgem”, executada cerca de 1498-99.

Embora esta obra seja mais conhecida pelo primeiro nome, apresenta também uma segunda cena, a da direita do painel, que expressa a hesitação do Santo em devotar-se a Maria (o leite da Virgem) ou ao filho de Deus (o sangue de Cristo), dualidade que configura o maravilhamento do poema de Camões. Um quadro duplo, duas figuras máximas do Cristianismo, que nos revelam Camões como “Poeta da Fé” (título do estudo e antologia de Mendes dos Remédios. – Coimbra, 1924), seja de uma religiosidade menos ortodoxa ou mais ortodoxa, consoante as interpretações.

Bom Ano Camões!
Com revelações, com publicações, com leituras.



O VILANCETE:


MOTE

Duas grandes maravilhas
de que se espantam os Céus:
parir Virgem e nascer Deus.


VOLTAS

Vede se viu criatura
tal caso, ou se aconteceu:
Deus, de que tudo nasceu,
nascer duma Virgem pura.

Pois, Virgem, paristes vós
tanto bem, dai do peito
leite a quem
co seu nos dá sangue a nós.

Ambos ordenais a luz
que a todo o mundo aproveite:
Vós só no colo co leite,
Ele co'o sangue na Cruz.

Pois, Virgem, nasce de vós
tanto bem, dai do peito
leite a quem
co sangue nos salva a nós.

LUÍS DE CAMÕES


Fonte: Biblioteca da Ajuda, Lisboa. – Cota 52-II-42.
Reproduzido em: JÚDICE, Nuno – Um inédito de Camões: com alecrim de entrada e manjerona à sobremesa, in JL – Jornal de Letras, Ano XLII, n.º 1352, de 27.07 a 9.08.2022, Portugal, pp. 6-7.




A adoração da Criança
Santo Agostinho hesitando entre o sangue de Cristo e o leite da virgem
1498-99

– Tempera em painel, 52 x 169 cm, Bologna: Pinacoteca Nazionale.

Obra de 

Francesco Francia, 1450-1517



2022/07/23

CAMONISTA - Marcia Arruda Franco








Marcia Arruda Franco
N. 21.10.1960
Camonista, investigadora, professora, editora literária.


Marcia Arruda Franco é doutorada em Letras Vernáculas – Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997) e pós-doutorada pela Universidade de Lisboa (2003).

Atualmente leciona na área de Letras na Universidade de São Paulo (USP), onde é responsável pela disciplina Para a História Não Oficial de Camões: Novas Abordagens de Estudos Camonianos




Desde 2019 que coordena o projeto multidisciplinar, na parceria USP-UMINHO, Reescrever o século XVI, o qual tem como objetivo principal "estudar o século XVI através de revisitações críticas de fontes quinhentistas, bem como analisar a recepção do Quinhentismo nas literaturas brasileira e portuguesa."
No âmbito de trabalho deste projeto, está em desenvolvimento a conceção e edição da Antologia Homoerótica Camoniana (AHC), a partir dos 10 poemas de Luís de Camões dedicados a D. António de Noronha, segundo a hipótese ficcional da obra Pode um desejo imenso (Lisboa: Livros Cotovia, 2002 / 6.ª ed. rev. e integral, 2015) de Frederico Lourenço.
Este projeto antológico envolve estudantes da graduação e da pós-graduação, das duas instituições parceiras, mas também do ensino médio em projetos vinculados à USP. A AHC está em elaboração, pois, por uma equipe de jovens camonistas da UMinho e da USP, muitos deles discípulos da Professora Marcia Arruda Franco.

A investigadora, com ampla obra publicada em livro e em periódicos académicos da especialidade, colabora também com o CIEC da Universidade de Coimbra. Das suas áreas de interesse, destacamos para os Estudos Camonianos: Sá de Miranda, Luís de Camões, Garcia de Orta e a época do Renascimento.

Marcia Arruda Franco publicou vários livros de ensaios em Portugal e no Brasil, entre eles: Sá de Miranda, um poeta no século XX (2001), Sá de Miranda: poeta do século de ouro (2005), Poesias / Francisco de Sá de Miranda (2011), Camões e Garcia de Orta em Goa e em Portugal (2019), Reescrever o século XVI: para uma história não oficial de Camões (2022), volume coletivo coorganizado com Paulo César Ribeiro Filho.



 

CAMONIANA / Século XVI


FRANCO, Marcia Arruda
  • (1990) Um século de leituras mirandinas. – Dissertação de Mestrado em Letras; com orient. De Cleonice Serôa da Mota Berardinelli. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, Brasil.
  • (1997) Sá de Miranda e as questões poéticas do século XVI. – Tese de Doutorado em Letras Vernáculas: Literatura Portuguesa. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil.
  • (1997) “Aquele único exemplo” – os signos irônicos do império português, Revista do IFAC, n.º 4 (dez. 1997), 64-67.
  • (1998) O “emprego indiano” em dois sonhos épicos, in Congresso Internacional de Estudos Camonianos, Rio de Janeiro: UERJ/SBLL, 1999, 381-387. – [Sep. de Anais do / Congresso...].
  • (1999) Camões, leitor de Sá de Miranda, Veredas: Revista da AIL, Porto, n.º 2, 29-47.
  • (1999) Camões, leitor de Sá de Miranda. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, p. 29-47.
  • (2000) Botânica, Amor e Poesia, Camões e garcia d'Orta em Goa e em Portugal (sécs. XVI e XIX). – Relatório de pesquisa.
  • (2001) Sá de Miranda, um poeta no século XX. Braga: Angelus Novus - IPLB.
  • (2002) Botânica e Poesia: Camões e Garcia d'Orta em Goa, Revista Camoniana, Bauru/SP, n.º 12, p. 111-134. – [Comunicação, I Congresso Internacional de Lexicografia e Literaturas Lusófonas, 2000].
  • (2002) Botânica, Poesia e Mulher: Psicoativos e afrodisíacos nos Colóquios dos Simples e drogas e na obra de Camões, Estudios Portugueses, Salamanca, n.º 2, p. 55-71.
  • (2002) Sextina III ou Canção do próprio canto, in SILVESTRE, Osvaldo; Pedro Serra (org.) – Século de ouro: antologia crítica da poesia portuguesa do século XX. Lisboa/Coimbra/Braga: Angelus Novus & Cotovia, p. 86-93.(2003) Camões e Orta na corte do vice-rei conde de Redondo, Revista Camoniana, Bauru/SP, n.º 13, p. 47-63.
  • (2005) Fiama Camonista, Metamorfoses, Lisboa/Rio de Janeiro, v. 6, p. 43-54.
  • (2005) Sá de Miranda: poeta do século de ouro. Coimbra: Angelus Novus.
  • (2005) Camões e Orta lidos pelo Conde de Ficalho, in OLIVEIRA, Paulo Motta e Annie Gisele Fernandes (org.) Literatura Portuguesa Aquém-Mar. Campinas: Komedi, p. 73-90.
  • (2005) Camões na cultura popular brasileira. – Apresent. de trabalho/conferência ou palestra.
  • (2005) Uma zombaria de Luís de Camões esquecida nas Rimas, in BERNARDES, José Augusto Cardoso (org.) Camões: matrizes e projecções ibéricas. Santa Barbara/ Coimbra: Center of Portuguese Studies / CIEC.
  • (2006) Resumos de Os Lusíadas. Entreclássicos/Camões, São Paulo, 22 jul. 2006.
  • (2007) As duas versões do Auto do Filodemo de Camões. – Apresent. de trabalho/conferência ou palestra
  • (2007) Da distância entre o presente e o passado: três releituras novecentistas de Sá de Miranda, in OLIVEIRA, Paulo Motta et al. (Org.). Literatura Portuguesa: história, memória e perspectivas. São Paulo: Alameda, p. 65-73.
  • (2009) O cenário mediterrâneo da Ilha de Vênus n’Os Lusíadas, Portogallo e Mediterraneo, Atti del Congresso Internazionale (a cura di Maria Luisa Cusati), Napoli, p. 181-192.
  • (2010) Os primeiros cultores da maneira italiana em Portugal, ABRIL – Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, vol. 3, n.° 4 (abril 2010), p. 117-132.
  • (2010) Camões em duas canções da MPB [Música Popular Brasileira], Floema (UESB) , n.º 7 (jul. - dez. 2010), p. 137-153.
  • (2010) Dossiê Camões. 11.ª ed. Vitória da Conquista: Edições UESB. – [174 p.].








Poesias / Francisco de Sá de Miranda


Edição e introdução de Marcia Arruda Franco

Coimbra: Angelus-Novus / Centro de Literatura Portuguesa, 2011.

Coleção "Biblioteca Lusitana".



  • (2011) Afrânio Peixoto, Júlio (camonista), verbete, in Dicionário de Luís de Camões. Org. Vítor Aguiar e Silva. Alfragide: Caminho, p. 20-22.
  • (2011) O cânone literário português e Camões, verbete, in Dicionário de Luís de Camões. Org. Vítor Aguiar e Silva. Alfragide: Caminho, p. 219-228.
  • (2011) Desconcerto do Mundo, verbete, in Dicionário de Luís de Camões. Org. Vítor Aguiar e Silva. Alfragide: Caminho, p. 312-316.
  • (2011) Horacianismo em Camões, verbete, in Dicionário de Luís de Camões. Org. Vítor Aguiar e Silva. Alfragide: Caminho, p. 417-419.
  • (2011) Labirintos, verbete, in Dicionário de Luís de Camões. Org. Vítor Aguiar e Silva. Alfragide: Caminho, p. 457-459.
  • (2011) “Ficalho, Conde de, Flora dos Lusíadas”, verbete, in Dicionário de Luís de Camões. Org. Vítor Aguiar e Silva. Alfragide: Caminho, p. 384-387.
  • (2012) Sá de Miranda e Camões, in FRAGA, Maria do Céu et al. (org.) Camões entre os contemporâneos. Braga: CIEC - UC, Univ. dos Açores, Univ. Católica Portuguesa, p. 203-216.
  • (2014) Convite que fez Camões em Goa a certos Fidalgos, e-lyra: revista de rede internacional Lyracompoetics, n.º 4 (out. 2014), 21-45.
  • (2015) A Zombaria de Camões à Entrada de Francisco Barreto em Goa. – Apresent. de trabalho/conferência ou palestra.
  • (2017) Labirinto do autor, queixando-se do mundo, corre sem vela e sem leme. Convergência Lusíada [digital], vol. 23, n.º 27 (jan.-jun. 2012): Sobre Luís de Camões.
  • (2017) Fadas e encantamentos no teatro quinhentista português, E-Scrita: revista do curso de letras da UNIABEU, vol. 8, n.º 3, p. 129-143. – Em coautoria com Paulo César Ribeiro Filho.(2018) A correspondência entre António Ferreira e Sá de Miranda, Texto Poético, vol. 14, n.º 24 (jan.-jun. 2018), p. 4-27.
  • (2019) A quinta carta em prosa de Camões: ?Por que nem tudo seja falar-vos de siso?, ABRIL, n.º 11, Niterói, p. 43-56.








Camões e Garcia de Orta em Goa e em Portugal (Séculos XVI e XIX)

De Marcia Arruda Franco
Coimbra: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos – FLUC, 2019.
Coleção Monografias, 2.





Índice


Teorética, pp. 11-17.

PARTE I – CAMÕES E ORTA NO SÉCULO XIX
  • Ficalho e a sua geração, 21-24.
  • A crítica das Ciências Naturais na ordem da cultura: A Relíquia, 25-33.
  • Camões e Garcia d’Orta lidos pelo conde de Ficalho, 35-52. [v. anos 2005, 2011]
  • Paisagem mediterrânea na ilha dos amores, 53-62. [v. ano 2009]
PARTE II – NO SÉCULO XVI
  • Camões e Garcia d’Orta a partir dos paratextos de os Colóquio, 65-85.
  • Botânica, amor e poesia: psicoativos, afrodisíacos e a mulher, 87-109. [v. anos 2000. 2002]
  • A rota das especiarias em textos do século XVI, 111-129.
  • Fiama camonista, 131-143. [v. ano 2005]
  • A zombaria de Camões a Dom Francisco Barreto, 145-162. [v. ano 2015]
  • Camões e Orta na corte do Vice-Rei, o Conde de Redondo, 163-168.
  • Convite para uma ceia toda em trovas, 169-181. [v. ano 2014]
  • O tema do desconcerto do mundo, 183-189. [v. ano 2011]
CODA
  • Labirinto do autor, queixando-se do mundo, 193-202. [v. anos 2011, 2017]
APÊNDICE
  • Colóquio do Anfião, 205-207.
  • Colóquio do Bangue, 209-2010.
  • Colóquio da Datura e dos Duriões, 211-213.



  • (2019) Camões no modernismo paulista, Colóquio/Letras, n.º 202 (set. 2019), Lisboa, p. 137-148.
  • (2021) Poesia e Filosofia. Pneumo-fantasmologia em alguns sonetos do dolce stil novo renovado. de Sá de Miranda, Românica, Lisboa, 24, p. 95-106.





Reescrever o século XVI: para uma história não oficial de Camões

Org. Marcia Arruda Franco, Paulo César Ribeiro Filho.

São Paulo : FFLCH/USP, 2022.




Publicação de Márcia Arruda Franco no volume, para além da coorganização e do prefácio:

  • (2022) “Carta que um amigo a outro manda de novas de Lisboa” – A quinta carta em prosa de Camões: por que nem tudo seja falar-vos de siso: proposta de edição de –, in idem, ibidem, p. 231-237.
  • (2022) “Sobre o gênero cartas em prosa no Renascimento e as cartas em prosa de Camões” (p. 238-249) – Artigo seguido do seguinte “Apêndice”: “Cartas em prosa de Camões manuscritas, in idem, ibidem, p. 250-262.


Do prefácio desta obra, da autoria dos organizadores, Marcia Arruda Franco Paulo César Ribeiro Filho:
"Neste ano em que se comemoram os 450 anos de Os Lusíadas, pareceu-nos importante trazer à luz outra face de Luís de Camões. A presente publicação decorre das VI Jornadas de Literatura Portuguesa - Para a história não oficial de Camões: Novas propostas de estudos camonianos (2018), e do Grupo de Pesquisa Reescrever o século XVI (CNPq/USP).

Por história não oficial de Camões e do século XVI entendemos aqueles lugares iconográficos e textuais que são pouco estudados em virtude de ameaçarem não só a figura oficial do poeta incontornável da cultura portuguesa, mas também as navegações portuguesas como símbolo da sua identidade cultural e do seu papel civilizatório." (p. 6)






Com referido supra, no âmbito do projeto Reescrever o século XVI, está em desenvolvimento a edição da Antologia Homoerótica Camoniana (AHC):


"A Antologia Homoerótica Camoniana (AHC), que vem sendo desenvolvida desde 2019, insere-se num projeto internacional, “Reescrever o século XVI”, desenvolvido em cooperação entre a Universidade do Minho (Portugal) e a Universidade de São Paulo (Brasil). 

Investigar o homoerotismo na poesia do passado remoto, de forma a rastrear a forma como a Imitatio renascentista leva os poetas da época a revisitar os lugares do homoerotismo antigo, implica 

1) distinguir o que se entende por prática homoerótica na sociedade de corte no início dos tempos modernos 

2) determinar a sua tematização na poética renascentista, de acordo com a Imitatio. 

Assim, este projeto parte de uma leitura do romance de Frederico Lourenço, Pode um desejo imenso (2002), no qual Camões-personagem é preceptor de D. António de Noronha, jovem a quem teria dedicado 10 poemas líricos de teor homoerótico. A partir da perspetiva filológica e histórico-cultural, os poemas serão lidos, independentemente do seu lugar no cânone lírico, em clave homoerótica, editados e anotados, de forma a poderem ser publicados numa breve antologia, que envolve estudantes da graduação e da pós-graduação, das duas instituições parceiras, mas também do ensino médio em projetos vinculados à USP."

Fonte: Site da AHC.





2022/07/22

Invocação musical do Poema de Luís de Camões por José Vianna da Motta




Invocação dos Lusíadas, Op. 19, de José Vianna da Motta

Concerto Coral-Sinfónico

Teatro Nacional de São Carlos, Sala Principal
31 de março de 2023, 21h






Invocação dos Lusíadas, Op. 19 (1897) / José Vianna da Motta

Sinfonia n.º 4 em Fá menor, Op. 36 / Piotr Ilitch Tchaikovski

José Eduardo Gomes, Direção Musical
Coro do Teatro Nacional de São Carlos; Maestro titular: Giampaolo Vessella.
Orquestra Sinfónica Portuguesa; Maestro titular: Antonio Pirolli.


"A produção camoniana foi inesgotável fonte de inspiração para Vianna da Motta. A cantata Invocação do Poema de Luís de Camões Os Lusíadas, para coro e orquestra, é um exemplo entre vários e surgiu em 1915. 
O compositor explicitou que nela figurou a massa coral como sendo a Nação, acrescentando que a arquitetura da obra corresponde à construção gramatical do poema.


Prosseguir-se-á com a estreia absoluta da nova obra vencedora do Prémio ABC Compositores! de 2022.
A Sinfonia n.º 4 de Tchaikovski, estreada em Moscovo em 1878, cujo caráter profundamente russo foi imediatamente reconhecido, continua a ser uma das mais executadas sinfonias dos finais do século XIX. O compositor conseguiu com ela um apaixonante cruzamento entre a arquitetura da sinfonia clássica e a essência literária e poética do poema-sinfónico na tradição lisztiana.
O músico escreveu: 
Nunca senti tanto amor por alguma outra obra minha Poderei estar enganado, mas parece-me que esta sinfonia é a melhor coisa que escrevi até agora.
Fonte: Programação do TNSC.



Para saber +




2022/07/14

UM INÉDITO TRIPLAMENTE PUBLICADO




Um *inédito* triplamente publicado

Em conversa informal com o Professor Felipe de Saavedra, da Rede Camões na Ásia (RCnA) - http://www.asia.pt ficámos a saber que o soneto de Camões anunciado hoje por vários órgãos de imprensa portugueses como "inédito" e recém-descoberto, foi já publicado em pelo menos três instâncias:

Edição princeps:

- em 1968, por Edward Glaser na ed. crítica do Cancioneiro de Manuel de Faria, p. 218.

A partir daí entrou nas edições que se seguiram dos sonetos de Camões:

- por C. Berardinelli na ed. dos Sonetos de 1980, p. 457 e 663.
- por M. L. Saraiva na ed. da Lírica Completa II de 1994, p. 485.

Também se encontra mencionado por Leodegário de Azevedo F. na Lírica de Camões, vol. 1, p. 241.

Vamos pois proceder aqui e agora à quarta edição deste belo soneto:


De Luis de Camões, a Christo atado a colunna


Se misericordia e amor não vos atara,
A corda per sy só se desfizera;
E, se isto deste modo acontecera,
Quem da prizão eterna me livrara?

Se amor, com vos prender, não me soltara,
Em cárcere infernal sempre estivera;
E, se do Ceo esse amor vos não decera,
Quem do inferno ao ceo me levantara?

Por demais forão gemidos nem oferta,
Se amor vos não tivera tão atado.
E cuidão cegos que a corda vos aperta!

E vos de amor estais tam apertado
Que so elle se acende e se desperta
Mais que algos contra vos, por meu pecado.

LUÍS DE CAMÕES

Fonte:
Cancionero recopilado por Manuel de Faria. – Dedicado ao Conde de Haro em 1666, ms., f. 36.
Pontuação modernizada.













Cristo atado à coluna, 1565

Óleo sobre madeira de castanho.
Atribuído a António Leitão.
Museu de Lamego








2022/07/12

O Morgado de Mateus (1758-1825), editor d’Os Lusíadas (1817), uma história contada

A Fundação da Casa de Mateus e a Alêtheia Editores apresentaram o número 5 da coleção “Casa de Mateus – Estudos & Manuscritos”, o livro O Morgado de Mateus, editor de ‘Os Lusíadas’, no dia 14 de julho de 2015, às 18h30, no Grémio Literário. A coleção e a obra foram apresentadas pelo Prof. Doutor Martim de Albuquerque e pela Drª. Maria Carlos Loureiro.



O morgado de Mateus, editor de Os Lusíadas

Anne Gallut [-Frizeau]


Tradução de Maria Carlos Loureiro

Lisboa: Alêtheia, 2015.


Col. “Casa de Mateus – Estudos & Manuscritos”, nº 5.

385, [4] p. : il.; (23cm). ISBN 978-989-611-747-0.


“Após a sua publicação, em 1817, a edição monumental de Os Lusíadas efetuada pelo Morgado de Mateus suscitou curiosos debates que se prolongaram durante uma década. 

No entanto, rapidamente foi esquecida. Os dicionários bibliográficos reservam-lhe apenas um parágrafo e as histórias da literatura concedem-lhe, por vezes, uma página, mas raramente um artigo completo. Apesar da riqueza do seu conteúdo que, para além do poema épico, também contém uma biografia de Camões, uma análise da sua obra lírica, numerosas notas e ainda uma introdução onde se faz um esboço da história das edições d' Os Lusíadas de 1572 a 1817, a edição monumental não foi detalhadamente estudada. 

Anne Gallut, em 1970, publicou em França [e em Portugal, em língua francesa] o resultado da sua investigação sobre a edição de José Maria de Sousa, Morgado de Mateus. É a tradução desse excelente estudo, fundamental para camonianos e amantes de Camões, que aqui se apresenta.” 

– Fonte: site da editora Alêtheia.



A autora

Anne Gallut-Frizeau (n. 1.06.1930) é professora jubilada da Universidade de Toulouse II – Le Mirail / França, onde lecionou Estudos Portugueses e Brasileiros. 

Especializou-se em Cultura e Literatura portuguesas com a tese de doutoramento Le Morgado de Mateus, Editeur des Lusíadas, defendida e publicada em França e que agora se publica pela primeira vez em língua portuguesa. 


Camoniana

  • (1966) Documents inédits sur le Morgado de Mateus et son édition des Lusíadas, Bul. des études Portugaises, 26, Lisboa: Institut Français au Portugal, p. 181-222.
  • (1966) A propos de l'édition des "Lusíadas" du Morgado de Mateus: documents inédits, in Actas do V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, 3. Coimbra:  Gráfica de Coimbra.



Le Morgado de Mateus, editeur des Lusíadas. 

Paris: Klincksieck / Lisboa: Bertrand, 1970.

– [399, [4] p. : 1 est. (24cm);
– Collection portugaise sous le patronage de L'Institut Français au Portugal].
– Obra apresentada como tese para o Doctorat du Troisième Cycle na Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Toulouse, 1965.



  • (1971) Quelques réflexions autour de la biographie du Morgado de Mateus et de son édition des Lusíadas, Revista Camoniana, vol. 3 (1971), p. 145-151.
  • (1972) Camões en France (1600-1860). – Tese de Estado (Études Ibériques), Paris: Université Paris III - Sorbonne Nouvelle.
  • (2011) O Morgado de Mateus e a edição d’Os Lusíadas, verbete, in SILVA, Vitor Aguiar, coord. – Dicionário de Luís de Camões. Alfragide: Caminho, 613-628.
  • (2015) O Morgado de Mateus, Editor de Os Lusíadas. – Trad. de Maria Carlos Loureiro. Lisboa: Alêtheia Editores, 2015. 
  • Diário de Viagem (1791-1793) de D. José Maria de Sousa, Morgado de Mateus. Lisboa: Alêtheia, (no prelo). – Col. “Casa de Mateus – Estudos & Manuscritos”, nº 4.

Para saber +

Fonte da imagem: Casa Mateus, no Facebook.

2022/07/09

Comédia Aulegrafia pelo Teatro Maizum


Comédia Aulegrafia

de Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515-1585)

7 julho a 24 julho 2022

quintas / sextas / sábados/ domingos, às 21h

Nos claustros do Convento da Graça




Uma dramaturgia e encenação de Silvina Pereira

Com interpretação de: 
Ana Sofia Santos, Bruno Vicente, Guilherme de Bastos Lima, 
Guilherme Filipe, Jan Gomes, João Didelet, Júlio Martín, Lita Pedreira, 
Mário Abel, Miguel Freire, Miguel Vasques, Sara Machado, Tiago de Almeida



Silvina Pereira sobre a "Comédia Aulegrafia"

"A Comédia Aulegrafia, como o seu próprio nome indica, inspira-se na vida da Corte. Textualmente quer dizer escrita sobre o paço, sendo “hum largo discurso da cortesania vulgar” que pretende mostrar “ao olho o rascunho da vida cortesã, representada per corrente e aprazível estilo”. 

Nela se fala das intrigas amorosas do paço real, do vício da aderência, tendo como pano de fundo a fuga dos homens para a Índia. Uma comédia “em que vereis uma pintura que fala”, nas palavras de Jorge Ferreira de Vasconcelos. Uma caracterização da sociedade feita pelo cómico. As personagens são damas da Corte, nobres fidalgos, cavaleiros pobres, criados, um mulato fanfarrão, um aventureiro castelhano procurando vida em terras de Portugal. 

O argumento desta intriga palaciana da Lisboa Quinhentista é de grande simplicidade. Como nos diz o autor no prólogo, “Grasidel de Abreu amante servidor de Filomela”, inesperadamente, vê-se abandonado e depois trocado por um outro servidor que goza dos favores da cortesã Aulegrafia.

No enredo desta história/fábula tudo começa e acaba com a acção da Aulegrafia. Desde o início da comédia que os dados estão lançados por ela. Impressiona ver uma personagem com um projeto de intriga tão inexorável como a que tem a personagem Aulegrafia. A propósito desta figura, Isabel Almeida adverte que não estamos perante uma alcahueta típica. Esta Aulegrafia “sabe mays cautelas que hum Legista, pode ler as leys do Paço como Bartolo”, destoando completamente da “velha plebeia concebida por Fernando de Rojas”.

Aulegrafia gere a sua intriga com maldade e, embora a motivação pareça ser o dinheiro e a cobiça, como vai sendo dito ao longo da comédia, desconfiamos que haverá outras razões, como a inveja e o ódio à felicidade dos outros. Embora o contexto social seja diferente, como diferentes são as razões e as consequências, a intriga que lago executa em Otelo, de Shakespeare, remetem-nos para esta personagem. Também aqui a mentira leva à destruição. Em Otelo, a mentira provoca o ciúme e o ciúme de Otelo provoca a morte de Desdémona. No caso da Comédia Aulegrafia, a mentira de Aulegrafia provoca a ruptura e a morte do amor de Filomela por Grasidel: “Sinta cada hum sua perda, & calese com ella, que eu assi o farey, segura de me arrepender”. Um tom que, por vezes, pouco tem de comédia."

Silvina Pereira



2022/07/01

Por que nem tudo seja falar-vos de siso... - carta, de Lisboa, a um clérigo algures no Reino, mandando novas "de folgar" da cidade


Por que nem tudo seja falar-vos de siso...

“Carta que hum Amigo a outro manda de novas de Lix.a” (Códice Varejão, 156r-157v)
Carta VI, “enviada de Lisboa para algures no Reino”, a “um clérigo”, em “20 de maio de 1551” (F. de Saavedra, 2022)



Por que nem tudo seja falar-vos de siso, após as novas que vos mandei de África e da Índia, que cá soaram, agora vos mando estas de folgar, que à orelha vos hajam de soar melhor, e ainda que escrever-vos isto seja empresa baixa, e de baixo sujeito, pois é praguejar de putas, contudo não terei culpa, senão se ma vós causardes, com me descobrirdes, por que eu pera vós só o escrevo, com quem posso e devo falar tudo, e assi desta cautela de segredo, e não seja necessário ficardes vós culpado comigo, nem eu desculpado convosco, e que eu não seja destas cousas o mais diligente solicitador desta terra: nunca faltam más línguas que vos fazem tudo em que vos pez.

Bem sabeis já como é entrada nesta cidade Madama del Puerto, com a Senhora Barbórica sua filha, e também sabeis que este sobrenome “del Puerto”, não cobrou ela por cem mil milagres, que nele fizesse, onde muito tempo residiu em seu ofício, mas por cem mil velhacarias que estão significando cem mil açoutes, que por elas lhe pintaram nas costas, com trombetas, por que a Senhora Bárbora foi mais vezes cosida e renovada por Sua Madre que umas botas de um escudeiro, e assi a vendia por “buena”. E, porém, a Puta Velha com o furto que lhe tomaram nas mãos lançaram-lho nas costas com trombetas, até que por vários casos, “per tot discrimina rerum”, tornou aqui a aportar a Lisboa – Ó má Lisboa, que é um ninho velho, e domicílio antigo de putas antigas, e aqui como dizem das cegonhas, as moças mantém as velhas, foi logo a Sra. Bárbora assoalhada por essas estações, e perseguida de alguns novéis, que a não conheciam, que aos veteranos não podia ela enganar, pera estes modernos que digo, usou logo a puta velha de um ardil muito bom, que foi fazer a filha casada com um Mártire do Alentejo, que não reside aqui, e diz ela aos seus devotos, que é isto um pão pera os cães, e assim é, que com este pão feitiço, abre e fecha quando quer, e se nega, e se defende, e ofende, e espanca, os tristes dos Canitos novos que com ela gastam o seu, com estes tem seus tratos, e comércios, e c’os mundanos maciços que sabem o erro, tem seus passatempos, e manda tanger e cantar a Senhora Bárbora, descantando sobre o Monte de Sião, e “de super Judeorum turbam”.

E olhai esta declaração, que nem Ascênsio nem Donato a puderam dar melhor, os praguentos de agora, se não entremetem latinzinho hão que não escrevem bem, e eu assim o faço imitando mais seu estilo que o meu, por que já em escrever-vos, e “nos aliquod nomenque decusque gessimus”, e vós já me gabastes mais, do que vos eu gabo, e isto basta pera vos escrever agora, como quiser, sem guardar ordem, nem ordens, conforme ao lugar, e estado, em que agora viveis,

E eu vivo noutro, de um morcego sem ser ave nem rato, a culpa disto dá-la-hão uns ao triste que passa a pena e outros aos acontecimentos da fortuna, que não respondem sempre aos fundamentos de cada um, ainda que sejam bons, outros a darão aos corações humanos que nunca se satisfazem, mas enfim eu sei cuja lela é.

E tornando ao nosso tema, digo que a Senhora Bárbora, “y la puta de su Madre”, vem tão avante no putarismo, que podem ler de cadeira, e com seus donaires ora portugueses ora castelhanos, nunca lhe faltaram em que empreguem suas letras, e suas manhas, por que neste cesto roto de Lisboa, onde elas lançam tudo, bem sabem que cada panela tem seu testinho, e que sempre neste mar magno morrem madraços que vêm picar em seus anzolos, com que elas pescam, de muitas maneiras, e como agora anda tudo de levante com estas armadas, e na água em volta pesca o pescador, elas também d’armada dão por esses coitados que hão de ir pera fora sobre as águas do mar, uns debruadinhos d’arte, a quem como sabeis pagam soldos e moradias adiantadas, com outras mercezinhas, e de maneira os tratam que como franceses; depois de lhes vazarem as bolças, de bem vestidos e louçãos que andam, os tomam e lhes despem até as couras golpeadas.

E destes, os que agora dão mais vistas e mostras, são os Ceitis, que assi chamamos aos que se agora fazem prestes pera Ceuta, e estão as casas destas Damas todas cheias destes Ceitis, de que elas fazem alguma prata. E estas falsas que “rebivem para dar muerte”, que como o trigo senão apodrece na terra não dá fruito nem espiga, assim estas velhacas parece que quanto mais podres, de seus males, e doenças, amortalhadas em seus suadouros, refrescam e reverdecem mais, porém já sabeis que “latet anguis in herba”, como se vê nelas cada dia, que são peçonhentíssimas, mas como são, são quistas, amadas e requestadas de seus amantes, mais perdidos que elas.

E das putas claustrais as que mais andam agora nos pelouros de seus folgares, são a Tarifa, a Surradeira, a Marquesa, a Sintroa, Antónia Brás, e as que chamam as folionas. “Ay” também outras Claustrais, mas mais autorizadas, as freiras, Bárbora, Luzia e outras desta laia, “ay” outras inda de mais autoridade, estas dão sua casa a onde se pagodeia, por que com as pessoas não servem, por serem já velhas, assim como Guiomar Mendes, Felipa de Bairros, Beatriz Flamenga, com suas filhas “et cum socijs suis” e às casas destas se vão apontar toda a imundícia destes que digo.

Aconteceu, pois, que esta semana, que uns certos Ceitis (que por sua honra não nomeio) ordenaram um pagode real, com Madama del Puerto, e sua filha Bárbora, e com as velhacas da Surradeira, e Marquesa, e pera isto fintaram pera a cabeça da Serpe o mais que eles puderam ajuntar, com que fizeram abastada despensa de comer, e beber, o que foi tudo levado a Orta Navia, em Alcântara, aonde havia de ser a mojanga, e por mais te honrar, Mafoma, e ser a cousa mais crespa, saíram de suas casas a tempo que “o radiante sol esparzia sus dorados Rayos sobre la haz de la tierra”, nesta ordem e concerto, “scilicet” as Damas iam ao varonil, em trajo de homens cavalheiros em quartaos, que lhe eles buscaram muito guerreiros, com seus penachos recamados de ouro e prata, por ir a cousa meia em prata e meia em Ceitis, por que ainda que os Senhores eram todos dos Ceitis, digo um deles que principalmente ia por servidor da Marquesa, “su padre era de Ronda, y su Madre era de Antequera”, ou de Guiné, a Puta Velha por guardar mais o decoro e majestade de Madre, ia de Andilhas, porém louçã e muito enfeitada, e coberta com uma capa de escarlata, mas como dizem escusada é a decoada, e por demais na cabeça do asno, por que ela não deixava de parecer quem é, ou parecia tudo a falsa Cábria, quando a vestiram nos trajos da outra, desta maneira chegarão a Navía, onde como Alcatruz se vazaram, e eram cheios, como se diz, não de água, mas de muito vinho, com que de todo, segundo fama, desenfadarão seus corpos, e dou-vos fé que me espantaram as cousas que então fizeram, muito notáveis que não são pera vos contar. E não vos pareça que ficou a madre velha de todo de fora, porque os cavalheiros eram mais que os das Damas, puseram se a fazer festa, por que também fosse regozijada.

Saíram-lhe diante uns Almogávares, que souberam desta ida, os quais eram seus Marinhanos, (e vós os conheceis, amantes destas damas) primo e irmão da Surradeira, e outros, determinando afrontarem-nos de alguma maneira, perpassaram por eles muitas vezes, a rédeas tendidas fazendo muito pó, e rocando-se com as Damas, que iam de isto em extremo receosas, por cuidarem que era isto caminho de algumas brigas, cousa no certo que as mais namora, e, porém, os cavalheiros foram todos conhecidos logo dos outros e ficaram “buenos y leales”. E assim, dissimulando cada um com sua mágoa, foram retirando-se, os Rufianos se tornaram, e a outra mais companhia seguiu sua rota, agasalhando-se aquela noite cada amante com a sua, aonde se diz que foram matraqueados dos outros de amorosas batarias; outros recontros notáveis são passados entre matantes e estas senhoras “mias”, espero informar-me bem, de um matador que me há de contar tudo, então vo-lo escreverei, mais largamente, e por agora contentai-vos com isto, por que “visa est mihi digna relata pompa”.

O vosso homem leva a vossa encomenda, a minha não esqueça a v. m. com me escrever largo, como eu faço sem medo nem vergonha,

Beijo as mãos de v. m. desta aldeia de Lisboa, a melhor do Reino, 
a 20 de maio, de 1551 anos.






Texto atualizado a partir de:

VAREJÃO, Pedro Alvarez, comp. – Códice Varejão, BNP: 9492, 156r-157v.

SAAVEDRA, Felipe de (2022) [Fac-simile e transcrição da carta], in Epistolário magno de Luís de Camões: volume I – Celestina em Lisboa. Edição crítica, analítica e comentada de – Lisboa: Canto Redondo, p. 8-15.