2010/06/10

Redondilha - No monte de Amor andei



No monte de Amor andei





MOTE

No monte de Amor andei,
por ter de monteiro fama.
Sem tomar gamo nem gama.


VOLTAS

Achei-me tão enlevado
neste monte a montear,
que donde cuidei caçar
eu mesmo fiquei caçado.
Caçador desesperado,
saí de üa e outra rama,
sem tomar gamo nem gama.

Levava por meus monteiros,
nesta caça de tormento,
os meus ais, que, como vento,
iam diante, ligeiros.
Uns tão tristes companheiros
levava, como quem ama,
por descobrir esta gama.

A roupa de montear
que neste dia levava,
era o mal que me pesava;
a corneta, o suspirar.
Já não podia cessar,
como touro quando brama,
só por buscar esta gama.

Os cães eram meus tormentos,
cheios de muita agonia;
o furão, minha porfia;
as redes, meus pensamentos.
Nem me valeu tomar ventos
nem penetrar pela rama
pera descobrir tal gama.

Luís de Camões


Fonte:
Lírica completa - I [Redondilhas], org., pref. e notas de Maria de Lurdes Saraiva, 2.ª ed., Lisboa: INCM, 1980, p. 27-28. / 2.ª ed., 1986, p. 347-348 [em “Redondilhas de autoria controversa”].