2024/09/23

Camões nos países lusófonos

 

"Camões é herói, mito ou símbolo imperialista a abater nos países que falam português?"

A partir da REPORTAGEM da jornalista Sandra Moutinho


Quando nós aqui no Diretório de Camonística celebramos "sem qualquer complexo, Camões e os nossos heróis – não vilões – do mar…" (Editorial da revista "Nova Águia", n.º  34, 2024) e nos ocupamos de colecionar e divulgar tudo o que se vai fazendo e publicando sobre o Poeta, o que se passa noutros espaços em língua portuguesa e até noutras línguas?

A reportagem da agência Lusa parece revelar que as percepções sobre Camões e a sua obra variam entre o herói, figura mitificada ou mesmo símbolo do antigo império português que se quer derrubada, como se desejou fazer com as estátuas imperialistas para "descolonizar". 

Mas Luís de Camões, passados cinco século dos seu nascimento, é um poeta lido e amado. O legado literário, linguístico e cultural camoniano é extenso e as celebrações do seu nascimento estendem-se a todo o mundo, com eventos que abrangem as várias artes e saberes humanos, com publicações das suas obras e de estudos sobre as mesmas. 

O texto da jornalista Sandra Moutinho reveste-se de especial interesse por reportar a opinião de escritores oriundos dos países  falantes da língua portuguesa, incluindo Portugal. Esta reportagem poderá ser aprofundada na sequência, por exemplo, dos colóquios "Camões e a Lusofonia" organizados pelo CIEC de Coimbra, um em 21 de novembro de 2018 (Programa, em formato pdf) e o outro em 13 de março de 2019 (Programa). Contexto que tem sido ampliado na esfera de ação da  RCnA&A, sediada agora em Macau, que organizou o Congresso Internacional de Ternate/Jakarta, na Indonésia, em 12 de março de 2024 (assinalando os 450 anos da publicação de Os Lusíadas), e o Congresso do Meio Milénio de Camões, em Macau, em 24 de fevereiro de 2024, e que realizará o II Congresso do Meio Milénio de Camões num país africano lusófono - Moçambique, em 6-10 de junho de 2025.


O texto da reportagem:


Camões continua vivo nos países lusófonos, onde é herói, mito e também símbolo de um imperialismo, mas reconhecido por quem o ama e odeia e presente nas estantes, nas mochilas escolares, nas letras de fados ou canções hip-hop.


[Em Angola]


Jorge Arrimar

Os escritores de língua portuguesa reconhecem o génio de Camões, do Minho a Timor, embora o poeta não tenha o mesmo destaque em todos estes Estados, outrora portugueses.

“Camões é entendido como um grande poeta, um grande escritor 
e, ao mesmo tempo, um aventureiro na vida e na própria literatura”
diz à Lusa o escritor angolano Jorge Arrimar, 
um confesso admirador deste “poeta intemporal”.

Arrimar reconhece que a apresentação de Camões aos estudantes “nunca foi fácil”, mas acredita que, 500 anos após o seu nascimento, o poeta maior continua a fazer o seu percurso.


[No Brasil]

Imagem em UCCLA-CMLisboa

No Brasil, Camões é leitura obrigatória e, para muitos, um primeiro contacto com a literatura, segundo a escritora Fernanda Ribeiro, a primeira mulher a vencer o Prémio de Revelação Literária UCCLA-CML [União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa - Câmara Municipal de Lisboa], com o livro Cantagalo [Lisboa: Guerra & Paz, jun. 2024].

“Camões é tão entranhado na cultura brasileira, que tem músicas 
que as pessoas pensam que os versos são de autores, músicos brasileiros, 
mas estão citando Camões”
disse, exemplificando com o soneto “Amor é fogo que arde sem se ver”.


[Em Cabo Verde]

Germano Almeida

Germano Almeida, escritor cabo-verdiano vencedor do prémio com o nome do poeta, lamenta que no seu país Camões não seja “sequer um autor conhecido”.


“Neste momento, Camões não existe e é uma pena”, 
disse, classificando-o como “uma figura importante, um grande poeta”.

“É natural que, no principio, Camões tenha sido visto como 
um representante do imperialismo e nunca mais ninguém se lembrou de ver que
Camões é realmente importante para o cultivo da língua que precisamos, 
de facto, de ter em Cabo Verde”, afirmou.

Germano Almeida, que adorou Camões “desde a primeira hora”, diz que sabia “de cor” Os Lusíadas, cujas primeiras palavras faz questão de declamar: 

“As armas e os Barões assinalados 
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados”.


[Na Guiné Bissau]

Tony Tcheka


Para o escritor guineense Tony Tcheka, 

“uma coisa é o que os guineenses pensam e sentem 
e outra coisa é o que o atual poder desenvolve como posicionamento e como prática”.

Considerando Camões como uma “figura grata, 
que tem de ser devidamente contextualizada e transportada no tempo”, 
Tony Tcheka lamenta que este e outros poetas 
não tenham “espaço na escola guineense, nem na vida política guineense”.


“A língua portuguesa é tão portuguesa, como é guineense, como é angolana 
e temos o dever e a necessidade de a preservar, sem complexos. 
O próprio Amílcar Cabral sempre foi claro nisso. 
Foi ele que a classificou como a grande herança”, observou.


[Em Moçambique]

Luís Carlos Patraquim


Em Moçambique, onde Camões viveu, o poeta 
“é um nome, um arquétipo, é quase uma instituição que se respeita, 
mas está de alguma maneira nas nuvens”, 
afirmou o poeta moçambicano Luís Carlos Patraquim.

E acrescenta: 
“Camões não é aquilo que ficou. 
O que ficou no imaginário, tanto em Portugal como nos outros países, 
é o Camões construído pelo Estado Novo. 
O que é preciso é ler ele mesmo e 
os contextos de grandes pensadores sobre Camões, como Jorge de Sena”.

“Quem está interessado em escrever na língua portuguesa, 
e sem fantasmas identitários, lendo Camões percebe 
o que ali está de grande universalidade”, afirma, emocionado, 
recordando que o primeiro registo da palavra Moçambique aparece nos Lusíadas

“E por que tudo enfim vos notifique
Chama-se a pequena ilha Moçambique”.



[Em Portugal]


Inês Barata Raposo


Em Portugal, “Camões está presente”, mesmo quando não parece, 
como disse a escritora Inês Barata Raposo, 
autora de vários romances infantojuvenis premiados.

“Muitas das expressões que nós utilizamos e muitas vezes ouvimos
 – jogos de palavras, pequenos versos, coisas que ficaram na nossa língua 
– foram herdadas de Camões e as pessoas muitas vezes não têm essa noção”, afirmou.

Esta presença estende-se ainda à música, com vários fados a musicarem as letras do poeta.

A autora não descarta a possibilidade de incluir nas suas obras uma personagem inspirada em algumas das vozes imaginadas e cantadas por Camões, como o velho do Restelo, que simboliza a resistência ao novo.


[Em São-Tomé]


Olinda Beja


Para a escritora são-tomense Olinda Beja, 
em São Tomé sempre existiu “muitíssimo orgulho em 
falar corretamente a língua portuguesa. 
Os pais são-tomenses proibiam os seus filhos de falar crioulo, 
que era considerada uma língua de segunda, terceira ou quarta”.

“Os jovens ouvem falar de Camões, mas não se dá a importância que se dava”, disse,
acrescentando: “Fala-se muito mais de uma Alda Espírito Santo, de uma Maria Manuela Margarido, de um Francisco José Tenreiro, do que de um Luis Vaz de Camões”.

“A juventude está desmobilizada e o nosso país, de há uns anos a esta parte, 
tem descurado muito a cultura. A palavra cultura está muito arredada dos eventos”, lamentou.


[Em Timor]


Luís Cardoso

Camões pode não ter estado em Timor, mas Timor está na obra de Camões, nomeadamente no canto X d' Os Lusíadas
“Ali também Timor, que o lenho manda
Sândalo, salutífero e cheiroso…” 

como recordou o escritor Luís Cardoso.

“É impossível falar da língua portuguesa sem falar de Camões”, disse o autor,
lembrando que esta foi “uma arma de combate da resistência durante a invasão indonésia”.

“À medida que em Timor vamos reconstruindo a língua portuguesa, 
desbaratada durante a presença indonésia, 
podemos fazer com que os símbolos máximos desta língua 
estejam presentes quando falamos da língua portuguesa”, disse.


[Em Macau]

10 JUN. 2024 - Romaria à Gruta de Camões, em Macau


Macau, território chinês que foi administrado por Portugal até 1999, é “um caso muito especial” no universo camoniano, como sublinhou o escritor Jorge Arrimar que, nascido em Angola, é também um poeta de Macau.

No território existe a gruta de Camões, onde se diz que o poeta terminou [sic.] Os Lusíadas, um mito que tem sido alimentado com romagens ao local e ao busto ali erigido.

Autor “muito consumido na Escola Portuguesa em Macau”, Camões é sobretudo valorizado pela comunidade macaense, de origem portuguesa, disse."



Texto da jornalista Sandra Moutinho

Com inserção dos retratos dos escritores,
imagem da romaria à Gruta de Camões, em Macau, no dia 10 de junho de 2024,
identificação dos países de casa escritor e nova formatação do texto
pelo Diretório de Camonística









para saber +


Texto de Sandra Moutinho, da agência Lusa 
e adaptado em vários periódicos:

in Notícias de Coimbra [online], 21.09.2024








Redação: 22.09.2024